Quinta-feira, Setembro 30

Provocação

Seus olhos estavam como que presos e sua mente, hipnotizada. Aquelas formas sensuais e a cor dourada com cara de verão tiravam Mathias do sério. “Tão perto e ao mesmo tempo tão longe” pensava. Sua fixação era tanta que chegava a achar que era miragem. Delirava ao ver as gotinhas de suor escorrendo de cima a baixo. De fato, Mathias perdia as estribeiras diante de uma imagem tão excitante. A única coisa que o trazia à realidade era o cutucão seguido da bronca da esposa: “Cerveja não, Mathias. Corta o efeito do antibiótico.”

Quarta-feira, Setembro 29

Modismos eleitorais

Moda é um negócio interessante. As coisas que estão nela também. Lembro da campanha eleitoral que lançou a palavra suruba*. Era um cartaz do tipo lambe-lambe enaltecendo o ex-presidente e então candidato a prefeito Jânio Quadros.

A palavra da moda nessa eleição é apócrifa**. Só espero que ela não entre no vocabulário popular como a sua antecessora.

*1 muito bom, excelente, capaz 2 namoro escandaloso 3 porrete grande; cacete 4 sexo grupal; surubada.

**1 diz-se de ou obra religiosa destituída de autoridade canônica 2 diz-se de ou obra mantida na clandestinidade 3 diz-se de ou obra falsamente atribuída a um autor ou de cuja autoria se tenha dúvida 4 diz-se de ou obra cujo texto se mostra diferente do que o autor escreveu 5 que não apresenta autenticidade; falso

Fonte: Houaiss

Mistério misterioso

Não sei bem o porque, mas o fato é que, dentre os inúmeros mistérios que cercam as nossas vidas, um deles é especialmente intrigante. Desde a minha primeira infância (Acho que tive mais de uma. Acho até que terei mais algumas ao longo da vida.) um fenômeno vem se repetindo com uma certa freqüência.



Ele ocorre, em média, a cada 45 dias, variando dias mais, dias menos. Não sei ao certo porque, mas o fato é que todas as vezes que eu – ou qualquer homem – corta o cabelo, sempre aparece um cara, pode ser um amigo, parente ou colega de trabalho dizendo em tom malicioso algo mais ou menos parecido com “Hummmm, cortou o cabelo, hein?”. Porque será?

Solução para o mistério nos comments, por favor.

Terça-feira, Setembro 28

Sob o sol de Itirapina

O começo

Acordou cedo. Afinal, a prova começaria às 8. Mas como soube que haveria um atraso, não correu tanto. Mesmo assim, chegou bem antes do início, permitindo uma boa posição juntos aos atletas. Toca a buzina anunciando a largada e lá se vão todos rumo à água. Começa a competição e o primeiro obstáculo são 2600 metros nadando nas águas desconhecidas da represa.




Da água para a terra

A saída da água é tensa. Livrar-se da roupa de borracha, tirar a toca e os protetores de ouvido é uma operação complicada. Ainda mais quando se tem pressa. A distância até a área onde estão as bicicletas e longa e dolorosa. Correr descalço sobre pequenas pedras não é legal.

Próxima etapa: montar na bike para 120 km de estrada. Começa a segunda parte. Um sentido da pista está fechado para eles, mas alguns imbecis insistem em compartilhar o espaço. Sorte. Ninguém chegou a ser pego por um carro.

O calor aumenta e as dificuldades também. É meio-dia e o sol é impiedoso. O asfalto preto acumula todo o calor do mundo. Parece que se pedala no telhado do inferno. Mais de quatro horas de movimento contínuo, é hora de voltar, soltar a bike, calçar o tênis e correr.



Correndo para a fornalha

Não há sombra pra se esconder. Se antes, na estrada, o inferno parecia estar sob os pés, a impressão é que agora se está dentro dele. A água fornecida pela organização parece evaporar antes de atingir as células, que parecem ressecar-se a capa passada.

Percorrer os 28 km correndo não é fácil. Muitos desistem. Ele não pode, tem que ir até o fim.



Na linha

Chegam os primeiros colocados. Todos, como ele, estão extenuados pelo esforço do dia de muitas horas e pelo calor. O fim do dia se aproxima. Pedem para que pare, que descanse. Não dá. O trabalho não terminou. Tem a premiação.



Agora sim, dever cumprido. Foram comer alguma coisa.


(Desculpem, mas foram 10 horas fotografando sem sentar um minuto sequer. Foi impossível evitar esse sentimento de auto-piedade! :-) )


Sexta-feira, Setembro 24

Um chopps e dois pastel

Quando Juca chamou Marli para trabalhar, ela ficou em dúvida. O salário não era lá essas coisas, mas fazia um certo tempo que estava parada. E, além do mais, o trabalho seria igual a qualquer lugar, afinal pastéis são pastéis. Juca, o dono, disse que apesar de pequena, sua pastelaria estava crescendo e que tinha bons e fiéis clientes. Na dúvida, Marli achou melhor aceitar. Nunca se sabe o dia de amanhã, não é mesmo?

Com poucas semanas no seu ofício diário de dar forma atraente àquela massa achatada, a nova pasteleira começou a perceber que as coisas não eram bem como lhe fora pintado. O pessoal do balcão fazia uma confusão incrível. Os pedidos sempre vinham errados. Se pediam de carne, o cliente, na verdade, queria o de pizza. Se era pra soltar um de queijo, o pedido era um de palmito. Uma loucura.

Isso pra não falar nos outros pasteleiros. Ao invés de se esmerarem na criação de belos pastéis, como fazia Marli, eles se preocupavam em inventar coisas. Um dia, imagine, quiseram fazer pastel de quiabo com fígado! Haja “criatividade”. E falta de gosto.

Um dia, chegando ao trabalho, Marli viu seus jovens colegas se divertindo numa nova receita. Era um pedido de Juca, que gostaria de comemorar o aniversário da pastelaria lançando uma nova receita. Durante meses os animados rapazes se puseram a trabalhar no pedido.

Horas e horas de trabalho acumuladas na tarefa, eles decidem levar até Juca a criação. O dono pega um pastel da bandeja, tasca uma mordida e mastiga com vigor. Apreensivos, os criadores esperam atentamente. “Que delícia”, proclama o chefe, “Parabéns! Com esse novo sabor atrairemos muito mais clientes para cá.” Satisfeitos, os funcionários se puseram a produzir um número infindável da sua inédita criação, o pastel de queijo. Vai entender.

Marli continua lá. Pelo menos por enquanto. Mas está ansiosa para ir para outra pastelaria criar suas delícias para outra freguesia. Pra passar o tédio, ela diverte-se com as outras figuras. A sua favorita é a Neide, que trabalha no caixa. Boba como ela só, vive suspirando por Juca. Ele, que de bobo não tem nada, sempre dá corda. Mas na verdade nem que saber dela.

Quinta-feira, Setembro 23

Sonho ou pesadelo?

Não chega a ser um pesadelo, mas é bem estranho. Dá uma sensação esquisita todas as vezes que acontece. E hoje aconteceu de novo. Aliás, é a quarta vez seguida. Nas últimas quatro quintas-feiras acordei pensando que já era sexta. Essa recorrência tem me deixado assustado.

Terça-feira, Setembro 21

Vida de mulher

Muitos a consideravam masculina. Demais, até. Gostava de futebol. Adorava ler a Playboy (sim, ler). Tomar uma cerveja no boteco comendo um pedaço de pizza de um queijo qualquer, daqueles que deixam um brilho peculiar nos lábios, então, era orgásmico.

Não estava nem aí para o que pensavam dela. Pelos corredores da empresa costumava ouvir os comentários maldosos caídos no chão. “Idiotas”, gritava mentalmente. Afinal, qual era o problema de ser a zagueira mais temida pelos times das empresas adversárias no campeonato anual. Para isso ela servia, né? Marcar forte, chegar junto, parar a jogada.

O que mais incomodava, principalmente aos homens, porém, era sua habilidade na direção. Ninguém era páreo. Trocava a marcha no tempo sem usar a embreagem, sua tomada de curva era perfeita (o modo como fazia a tangência era quase um balé) e, sem pestanejar, sabia o que fazer se o carro desse problema. Não tinha mecânico que a enganasse.

Apesar de tudo era feliz. Ganhava razoavelmente bem, o suficiente para luxos deliciosos como viajar à Europa e poder assistir Brasil e Inglaterra em Wembley antes da demolição. Morava em um apartamento espaçoso e adorava seus dois cachorros. Até do marido gostava. Sentia especial prazer em gritar pra ele na cozinha “Benhê, traz mais uma!”.

Auto-flagelo

Sempre, desde pequeno, ficava admirado com a arte da escrita. Gostava de imaginar como o autor chegava àquela história. Como conseguia escrever tanto, páginas e mais páginas, sem se repetir (na maioria das vezes). De onde vinha tanta inspiração. Me parecia óbvio que era algo natural. A pessoa sentava e instantaneamente começa a escrever sobre os mais diversos assuntos. Simples e fácil como descrevi.

Continuei achando isso até o dia em que resolvi escrever. E escrever dói. A idéia não vem. A inspiração se esconde. A ansiedade aumenta. Tudo isso machuca.

Até a hora que dá aquele estalo. Seus olhos se abrem, um leve sorriso vem aos lábios e você corre lá pra sua mesa, senta e escreve. Com uma facilidade que às vezes até impressiona. Parece até que escrever é um exercício de masoquismo, onde se tira prazer da dor.

PS. Escrever este texto foi dolorido até o momento em que a idéia surgiu. :-)

Segunda-feira, Setembro 20

Tales from the creepy Monday

De repente, tudo ligou. Sim, ele acordou. Seu cérebro, lentamente, funcionava e os olhos miravam o teto mal iluminado pela luz que entrava pela janela. “Hoje eu não vou! Foda-se”, pensou. Não dava. Tinha que ir. Sempre tinha. Levantou, tomou seu banho, comeu alguma coisa e foi.

No caminho, pensava sobre a crueldade de tudo aquilo. Ter que sair por aí com aquele animal andando colado a ele. Todos que passavam o olhavam receosos. Mas já estava acostumado. Afinal, era essa a sua sina.

Percebeu que estava atrasado. Acelerou o passo, olhou para trás e viu o animal se distanciando. Deu um grito “Vem Segunda-Feira!”. O bode acelerou o passo e entraram os dois no prédio para trabalhar na volta de mais um fim de semana.

Sexta-feira, Setembro 17

Definição ao cair da tarde

Você sabe o que é metrossexual? Pois saiba que muita gente não sabe. Dizem que é o rapaz/senhor afeito a cuidados estéticos acima da média. Clínicas de estética, salão (ao invés de barbeiro), manicure, pedicure entre outras carícias no corpe e na alma.

Na verdade, acho que a melhor definição é: metrossexual é um homem que não é macho o suficiente para se assumir gay. Ponto.

Desejos de um homem

O manto do sono o cobria totalmente. Sua força era tanta que mais parecia uma redoma hermeticamente fechada. Nela não entrava luz nem som. Lá dentro, dormia o sono dos justos, diria sua avó.

Em determinado momento um som insistentemente tentava furar aquele bloqueio protetor e reconfortante. Batia contra ela de modo que chegava a incomodar. “Pô, eu sou um justo. Deixa eu dormir”, pensou. Mas não. O tal som continuava a perturbá-lo. Irritado, decidiu sair de sua esfera protetora para averiguar o que acontecia.

Lentamente e ao mesmo tempo, abriu os olhos e ergueu a cabeça. “Gooooooooooolllllll do Marííííííííííííliiiiiiaaaaa...” ouviu da televisão. “Tesão. 1 a 0”, pensou. Fechou os olhos, a redoma e se atirou folgadamente aos braços de Morfeu.

Quinta-feira, Setembro 16

Foi

Johnny Ramone, 55. R.I.P.

Quarta-feira, Setembro 15

Cozinha de raíz

Vindo do Nordeste como tantos outros, trabalhava num ambiente muito diferente do que vivera até então. Trabalhava na copa. Lá aprendeu muitas coisas, como montar uma bela salada. Fazia isso para os diretores que, sempre muito ocupados em reuniões, preferiam a praticidade daquela alquimia de verduras, legumes, queijos e temperos.

Com o tempo pegou gosto pela coisa. Preparava a sua própria salada com muito esmero e cuidado. Parecia um diretor de arte, o título que algumas pessoas da empresa carregavam. Sua preferida continha folhagens variadas, tomate seco e mussarela de búfala. Mas na hora do tempero, suas raízes falavam mais forte. E tascava molho de pimenta em cima do prato.

Pés trocados

No programa desta noite, o Jô notou que Tom Zé, seu convidado (que, por sua espontaneidade e inteligência, dava uma divertida entrevista), usava tênis diferentes em cada pé. A claque é claro, e como sempre, desatou a gargalhar no seu exagero peculiar.

Essa pequena passagem me lembrou de uma outra que já tem, deixa-me ver, uns 16, 17 anos. Estávamos numa festa no apartamento de um amigo. Um monte de moleques. Gente do colégio, pessoas de quem eu gostava (e que fazem parte da minha vida até hoje) e outros absolutamente dispensáveis. Foi quando reparamos que um deles estava usando um tênis diferente em cada pé. Provavelmente, o momento mais divertido da festa.

Em resumo, numa livre relação entre os fatos, dá pra dizer que a arte de viver imita a vida.

Terça-feira, Setembro 14

Janelas que se fecham

Um fenômeno muito interessante que se pode ver em qualquer escritório do mundo é o que acabo de chamar de "As janelas da vergonha". Impressionante. Você anda pelas baias e vê o clicar nervoso dos mouses tentando fechar aquela receita para o fim de semana, aquele joguinho que você tenta manter o bêbado equilibrado ou aquelas fofocas in-crí-veis de pessoas do fascinante mundo de Caras. Ou será Contigo?

Sei lá. O fato é que as pessoas têm medo e/ou vergonha de serem pegas não fazendo nada no "serviço". Talvez seja o medo de serem consideradas folgadas ou vagabundas. O mais interessante é que praticamente todo mundo gasta algum tempo do seu dia, que deveria ser produtivo, fazendo coisas absolutamente alheias ao seu ofício, como escrever esse texto, por exemplo. O duro é ter a coragem de assumir que se faz isso. Se por acaso aparecesse alguém por aqui, eu

Ah, esse mundo de hoje.

Incrível. Deu no New York Times: o Prozac, medicamento que mudou o tratamento da depressão, pode levar ao suicídio. Será essa mais uma daquelas ironias da vida moderna?

Segunda-feira, Setembro 13

Telefonema

Hora do almoço. As pessoas se levantam e começam a se preparar para sair. Ele cumpre seu ritual. Pega o telefone, liga para a noiva e avisa que está saindo para almoçar. Não que ela precise ligar nesse horário. Mesmo assim, precisa avisar. E dizer que a ama, ama muito, muitão todas as vezes. E manda beijinhos bem baixinho pra ninguém ouvir. Aí desliga. E volta ser a mesma pessoa de antes. Há dezessete anos é a mesma coisa. Talvez por isso eles sejam noivos com o noivado mais duradouro que eu conheço.

Sexta-feira, Setembro 10

Abriremos na segunda

Este espaço estréia na segunda-feira, dia 13 de setembro. Venha nos visitar.