Segunda-feira, Março 28

Quinze minutos

Suava frio. De escorrer do alto da testa e chegar a molhar o colarinho da minha camisa. Devo admitir, apesar de ter muito lutado para chegar àquele momento, estava com medo daquela situação. Um frio na barriga e um nó na garganta praticamente me impediam de falar. Aquela gente toda ali, olhos atentos e audição aguçada, esperando pelas minhas palavras.

Sim, eu havia me preparado para passar por tudo isso. Ensaiei meu discurso inúmeras vezes. Sabia de cor cada palavra, a entonação, as pausas. Na teoria, era perfeito. Só não contava com a paúra que me acometia com tanta força. Não havia, porém, como voltar atrás. Havia marcado aquela reunião. Pelo vidro, via as pessoas todas se acomodando na sala à minha espera. Sentia meu coração batendo forte e rápido como se quisesse saltar pelo meu peito rasgando minha camisa nova, comprada para aquele momento.

Não tinha mais como adiar. Toquei a campainha e esperei resposta. Ao ver uma pequena fresta se abrindo, empurrei a porta com força e entrei. Entrei e despejei o discurso ensaiado. Falei, pelo que ouvi dizer, 15 minutos sem parar. Atônita, minha platéia ficou muda e espantada com minha atitude. E durante todo o tempo em que lá estive, não fui interrompido por um pio sequer.

Não tenho muito claro o que aconteceu. Até hoje, minha noiva, perdão, ex-noiva não me perdoa. Só não sei se por eu ter resolvido sair do armário daquela forma ou por causa da portada que dei em sua avó.

Quinta-feira, Março 10

Compromissos

Um dia, quando eu ainda era criança, meu pai me colocou no colo e disse com um certo tom profético “Meu filho, você vai ser um homem de sucesso.” Na época, claro, nem dei muita importância. Só queria sabe se poderia ir até o campinho com a molecada da vizinhança.

Mas à medida que o tempo passava, eu comecei a reparar que de fato minha vida não era comum. Jovem ainda, era um sucesso. Os professores se adimiravam com a minha capacidade. Os meninos queriam todos serem meus amigos. Já as meninas, suspiravam por mim. Sim, era legal. Mas se não tivesse nada disso, tudo bem. Continuaria minha vida.

Mais tarde, a coisa começou a ir além dos muros do colégio. Comecei a ficar conhecido em todo lugar. Rapidamente ganhei as páginas dos jornais. Primeiros umas notinhas. Depois, páginas inteiras. O assédio, evidentemente, extrapolou todos os limites. A todo momento eu vivia cercado de pessoas. Gente querendo se aproveitar da minha visibilidadem do meu sucesso, evidentemente.

Com muita rapidez, me tornei um grande expoente nacional. A população depositava em mim seus votos de esperança por um dia seguinte mais alegre. Eu seguia a minha sina com naturalidade. Visitava cidades e mais cidades sempre trazendo uma legião de seguidores num cortejo quase religioso. Aliás, muitos, principalmente os mais humildes, me consideravam quase um messias, uma pessoa que com atos e palavras poderia resover muitos problemas. Logo, todo esse cenário tomou âmbito mundial. Não havia país que não esperasse receber minha visita ansiosamente. Quantos presidentes posaram ao meu lado para fotos tentando tomar para si um pouco da minha credibilidade.

Hoje devo confessar que estou um pouco cansado de tudo isso. Afinal de contas, não sou mais garoto. As pernas pesam. O vigor já não é o mesmo. Parece que tudo o que eu fazia com tanta facilidade tornou-se um trabalho árduo. Mas eu continuo com minhas obrigações. Tenho compromisso com a imensa multidão que me colocou, aclamado, nesta posição. Não posso de forma alguma desanpontá-los. Mesmo que os que fazem parte da minha equipe não dêem conta do serviço.

Falando em serviço, está na hora de fazer o meu. Está ouvindo? É, estão gritando meu nome. Dá dois minutinhos que eu vou ali bater o pênalti e já volto.

Segunda-feira, Março 7

Happy hour

Outro dia saímos eu e o Pereira da firma para tomar uma cerveja depois do expediente. Nunca fomos lá muito próximos. Eu trabalho na área de estratégia. Ele, na de vendas. O máximo de contato era nas chatíssimas reuniões em que se falavam de números, números e mais números. E, claro, cobranças.

Essas reuniões conseguiam ser um verdadeiro porre. Discussões intermináveis sobre assuntos irrelevantes que nunca nos levavam ao cerne da questão. Meu trabalho, por conta disso, sempre ficava em segundo plano. De nada adiantava eu preparar todo aquele material. Sempre se partia para o quebra pau, todos buscando culpado e nunca se chegando a uma solução. Um dia isso vai levar a empresa à merda.

Aproveitei essa saída com o Pereira para tentar encontrar um alguém que escutasse minhas idéias. E por incrível que pareça, à medida que a noite avançava, via nele um forte aliado. Alguém com quem compartilhar idéias, frustrações, uma pessoa que poderia me mostrar um caminho por onde seguir.

O papo foi muito animado.Tanto que tive que rebolar para convencer a patroa que havia ficado até as 5 da manhã falando de trabalho. Apesar do forte cheiro de cigarro e o indisfarçável bafo de cerveja.

Fui dormir eufórico. Mal continha minha ansiedade de continuar o assunto com o Pereira. Sua lucidez, suas idéias, sua forma de ver o plano global da companhia me deixaram extasiado.

Apesar das poucas horas de sono, acordei disposto. Queria chegar logo para conversar com meu novo amigo. Falar sobre umas idéias que tive no caminho de volta para casa.

Pereira chegou tarde esse dia. Passou rapidamente pela sua mesa e foi direto para a copa. Fui atrás. Ele tomava, quieto, um café. Me aproximei com um sorriso indisfarçável e disse:

- Bom dia, Pereira. E aí, tudo bem?

Ele me olhou com uns olhos fundos e disse:

- Opa, bom dia. – Fez uma pausa e completou – Bebemos pra caralho ontem, né?

- Um pouquinho. – sorri meio amarelo.

- Meu, não lembro de metade das merdas que falamos. E, seu eu me conheço bem, só falei o que eu não devia. Faz o seguinte. Esquece tudo o que eu te disse, ok?

Fiquei desconcertado. Como assim esquecer todas aquelas palavras que me fizeram sonhar com uma empresa melhor para se trabalhar? Pereira terminou seu café e antes de me deixar sozinho, disse:

- Faz de conta que nunca nos falamos, ta bom? Se alguém fica sabendo o que eu falei, to fodido – e foi de volta para a sua mesa.