Quinta-feira, Abril 28

Missiva

Olá querido,

Eu sei, faz tempo que não te escrevo. As coisas andam complicadas por aqui. E não é por que tenho muito o que fazer, não. Pelo contrário. O ócio só me faz querer largar meu corpo na rede e por lá ficar.

Já sei. A essa altura você deve estar me amaldiçoando. Lembro bem da ladainha. Sei também dos motivos que cá me trouxeram. Produzir, produzir e produzir. Mas como é que eu faço isso? De onde eu tiro inspiração? Do “sêo” Antônio, da venda, que passa o dia olhando para os sacos de quirera, feijão e arroz?

E qualé a graça que pode ter a dona Mirtes, do armarinho, que, além das linhas e fitas, gosta de se preocupar com a vida dos outros e vive dando agulhadas por aí? Ora, meu caro, evidente que não. Tu sabes que a vida é bem mais que isso.

Queria que tivesses aqui para revivermos aqueles bons momentos, lembra-te? Nossas conversas sobre essa vã filosofia que guia esse nosso mundo. As caminhadas sob o veludo negro da noite a falarmos sobre as artes e a vida maravilhosa em Paris. Ah, sinto agora o cheiro de fumo e brandy que dominavam a sala dos fundos da casa.

Bons tempos, bons tempos. Mas cansei. Me despeço agora pois gastei minhas energias te escrevendo. E já passou da hora de repousar. Faz meia hora que terminei meu almoço e meu corpo suplica pela sesta.

Um beijo pra você e para o Amadeu,

Luise

Terça-feira, Abril 5

Decisões

Giovanni estava assustado com toda aquela movimentação. De repente, a rotina do trabalho foi quebrada. Não servia mais apenas a seus superiores diretos. Agora precisava servir também os que vinham de fora. E como eram exigentes. Sempre pediam comidas e petiscos difíceis de se conseguir. E copos sempre cheios era uma obrigação. Naqueles dias trabalhava 14, 16 horas a cada jornada.

Na hora de dormir, tinha problemas. Aquele monte de ordens sendo dadas sem trégua confundiam sua jovem cabeça. Sem falar no emaranhado de diferentes línguas com que tinha que conviver. O pior, no entanto, era passar o tempo todo envolto pela grossa fumaça que adensava o ar de maneira sufocante, emitida pelos robustos cubanos que pousavam na mão de muitos dos participantes.

A intenção de Giovanni era, depois daqueles dias absolutamente desgastantes, largar tudo e se mandar. Detestava a forma como era tratado por todos. Um desdém que pouca vezes vira. Mesmos seus chefes, sempre amáveis, pareciam carrancudos, algo azedos.

Não ia embora, na verdade, porque tinha uma missão a cumprir: continuar o trabalho do pai, já falecido, que por muitos anos trabalhou no mesmo posto que ele ocupava agora. E, como o pai, era extremamente obediente às ordens superiores.

Em dado momento, porém, irritado pela fumaça de um charuto que pendia sobre um cinzeiro e jogava fumaça direto em suas narinas, disse a um colega que acabara de servir um generosa dose de conhaque a um senhor: “Será que vão demorar muito ainda para decidir qual deles será o próximo papa?”

Segunda-feira, Abril 4

Viagens

Um dia comprei um tênis para andar e conhecer o mundo.

Outro dia comprei um carro para conhecer o mundo mais rápido.

Outro dia comprei um barco para conhecer os outros lados do mundo.

Outro dia comprei um avião para deixar qualquer lugar do mundo perto.

Um dia meu dinheiro acabou. Só me restou esta poltrona para eu sentar e ver o mundo passar.

Sexta-feira, Abril 1

Sala de espera

- Próximo!
- Olá, Senhor…
- Oi… De novo, né?
- Pois é. Daquela vez não foi. Dessa não vai ter jeito.
- Eu sei. O Pedro me falou.
- Cadê ele?
- Tá cheio de trabalho. Você sabe, o Iraque tá uma loucura.
- Entendi. Bom, posso entrar?
- Calma, Karol. Parece que o pessoal do Vaticano ainda não liberou a sua saída. Senta aí e espera um pouco.
- O Senhor é quem manda.