Segunda-feira, Março 7

Happy hour

Outro dia saímos eu e o Pereira da firma para tomar uma cerveja depois do expediente. Nunca fomos lá muito próximos. Eu trabalho na área de estratégia. Ele, na de vendas. O máximo de contato era nas chatíssimas reuniões em que se falavam de números, números e mais números. E, claro, cobranças.

Essas reuniões conseguiam ser um verdadeiro porre. Discussões intermináveis sobre assuntos irrelevantes que nunca nos levavam ao cerne da questão. Meu trabalho, por conta disso, sempre ficava em segundo plano. De nada adiantava eu preparar todo aquele material. Sempre se partia para o quebra pau, todos buscando culpado e nunca se chegando a uma solução. Um dia isso vai levar a empresa à merda.

Aproveitei essa saída com o Pereira para tentar encontrar um alguém que escutasse minhas idéias. E por incrível que pareça, à medida que a noite avançava, via nele um forte aliado. Alguém com quem compartilhar idéias, frustrações, uma pessoa que poderia me mostrar um caminho por onde seguir.

O papo foi muito animado.Tanto que tive que rebolar para convencer a patroa que havia ficado até as 5 da manhã falando de trabalho. Apesar do forte cheiro de cigarro e o indisfarçável bafo de cerveja.

Fui dormir eufórico. Mal continha minha ansiedade de continuar o assunto com o Pereira. Sua lucidez, suas idéias, sua forma de ver o plano global da companhia me deixaram extasiado.

Apesar das poucas horas de sono, acordei disposto. Queria chegar logo para conversar com meu novo amigo. Falar sobre umas idéias que tive no caminho de volta para casa.

Pereira chegou tarde esse dia. Passou rapidamente pela sua mesa e foi direto para a copa. Fui atrás. Ele tomava, quieto, um café. Me aproximei com um sorriso indisfarçável e disse:

- Bom dia, Pereira. E aí, tudo bem?

Ele me olhou com uns olhos fundos e disse:

- Opa, bom dia. – Fez uma pausa e completou – Bebemos pra caralho ontem, né?

- Um pouquinho. – sorri meio amarelo.

- Meu, não lembro de metade das merdas que falamos. E, seu eu me conheço bem, só falei o que eu não devia. Faz o seguinte. Esquece tudo o que eu te disse, ok?

Fiquei desconcertado. Como assim esquecer todas aquelas palavras que me fizeram sonhar com uma empresa melhor para se trabalhar? Pereira terminou seu café e antes de me deixar sozinho, disse:

- Faz de conta que nunca nos falamos, ta bom? Se alguém fica sabendo o que eu falei, to fodido – e foi de volta para a sua mesa.