Quinta-feira, Abril 28

Missiva

Olá querido,

Eu sei, faz tempo que não te escrevo. As coisas andam complicadas por aqui. E não é por que tenho muito o que fazer, não. Pelo contrário. O ócio só me faz querer largar meu corpo na rede e por lá ficar.

Já sei. A essa altura você deve estar me amaldiçoando. Lembro bem da ladainha. Sei também dos motivos que cá me trouxeram. Produzir, produzir e produzir. Mas como é que eu faço isso? De onde eu tiro inspiração? Do “sêo” Antônio, da venda, que passa o dia olhando para os sacos de quirera, feijão e arroz?

E qualé a graça que pode ter a dona Mirtes, do armarinho, que, além das linhas e fitas, gosta de se preocupar com a vida dos outros e vive dando agulhadas por aí? Ora, meu caro, evidente que não. Tu sabes que a vida é bem mais que isso.

Queria que tivesses aqui para revivermos aqueles bons momentos, lembra-te? Nossas conversas sobre essa vã filosofia que guia esse nosso mundo. As caminhadas sob o veludo negro da noite a falarmos sobre as artes e a vida maravilhosa em Paris. Ah, sinto agora o cheiro de fumo e brandy que dominavam a sala dos fundos da casa.

Bons tempos, bons tempos. Mas cansei. Me despeço agora pois gastei minhas energias te escrevendo. E já passou da hora de repousar. Faz meia hora que terminei meu almoço e meu corpo suplica pela sesta.

Um beijo pra você e para o Amadeu,

Luise