Terça-feira, Janeiro 4

Virada de ano

Joana ainda estava em estado de choque quando parou em frente ao portão. Não era bem um choque. Um torpor, isso, um torpor tomava conta de seu corpo, de sua mente, de sua alma. Jamais imaginaria sentir algo assim. Em sua cabeça, como grandes slides projetados na parede branca, ela visualizava as imagens marcantes que vivera poucos dia atrás.

Conheceu Paulo, amigo do seu irmão, pouco antes da festa de ano novo começar. Ela toda comportada, vestido logo abaixo dos joelhos, uma blusa comum e sapato baixo. Tudo branco como manda a tradição. Todo esse recato, os cabelos presos, o ar intimidado atraíram o rapaz.

Minutos após a entrada do novo ano ele a puxou para a parte dos fundos da casa, abandonando a confusão e euforia da gente que lá dentro cantava, bebia e celebrava a virada. Joana resistiu. Lembrou-o que era compromissada. “Eu sei”, ele respondeu.

Beijaram-se. Primeiro com timidez. Depois, com fúria. Os corpos se esfregavam num ritmo alucinado. Num repente, como se tivesse havido uma grande descarga elétrica, os dois amantes se separam. Guardando uma certa distância entre eles, a garota olhou bem nos olhos de Paulo por longos segundos. Partiu, então, para nunca mais se verem.

Uma voz ríspida, irritante e familiar despertou Joana do seu sonho-acordadob. “Irmã Joana, não bastasse o atraso ainda fica aí parada no portão. Entra logo. Há muito que fazer.”

Com o olhar perdido na fachada do convento, a jovem freira ficou lá enraizada sem ao menos conseguir dizer uma só palavra.