Terça-feira, Dezembro 7

Vida real

“3, 2, 1, vai!”

A música começa e as luzes se acendem. Surge o apresentador. Cumprimenta os telespectadores e põe-se a explicar o que acontece. É um reality show, mais um. Porém, esse é diferente. Não tem um monte de gente. É um desafio para uma única pessoa.

Durante o dia todo, câmeras do programa vão seguir Francisco desde o momento em que sai de casa para o trabalho até o seu retorno, à noite.

O apresentador, então, mostra o perfil de Francisco. Está faixa dos 45 anos e um certo ar de cansaço no rosto, apesar do sorriso para a câmera. O corpo magro dança solto dentro do terno um tanto mal cortado. Casado, pai de dois filhos, funcionário público. Tem um apartamento financiado de pouco mais de 50 metros quadrados e Gol 1999.

Começa o programa de fato. Cabelos penteados para trás, Francisco, de mangas curtas, gravata e calça de prega, tenta fazer o carro pegar. “De vez em quando ele apronta dessas comigo”, diz sem graça para o cinegrafista sem olhar diretamente para a lente.

Chega à repartição. Os risinhos e cochichos dos outros funcionários por conta das câmeras são visíveis. O protagonista do espetáculo, já com um café que pegou na passagem pela copa, vai até sua mesa.

Durante o restante do programa, Francisco recebe e despacha pilhas de papéis. Assuntos chatos, memorandos sem nexo, pedidos absurdos. Mesmo assim cumpre sua rotina. Lê o documento, bate o carimbo necessário, assina e passa para o próximo.

Sentada no sofá, ao lado do esposo, Arlete assistia em silêncio o reality show. Intervalo de programa, ela se anima e comenta “Chato isso, né?”. “É...” responde com enfado o marido. Arlete completa “Mas amanhã melhora. É só o primeiro dia”. “É...”