Segunda-feira, Outubro 11

Sina

O pequeno bastão de papel parecia fazer parte de sua mão. Em parte, por estar sempre ali. Também por se confundir com a magreza de seus dedos brancos amarelados pela fumaça. Sua compulsão pelo fumo era algo extraordinário. Praticamente acendia um cigarro no outro. De fato, o fazia com assustadora freqüência. Emendava praticamente todos.

Tal excesso o tornava um sujeito amarelento. Não só os dedos. Sua face, os cabelos grisalhos desgrenhados, os dentes. Todo ele tinha uma coloração esquisita. A voz, então, era duma rouquidão úmida, do peito afetado pelas toneladas de fumaça ingerida ao longo do anos.

A verdade, a triste verdade, é que a vida lhe abandonara. Vivia sozinho numa kitnet escura e abafada. A mulher não suportou ter que conviver com o cheiro que impregnava tudo. Tampouco tinha paciência para continuar a aspirar as cinzas que transbordavam sem cerimônia dos cinzeiros todos. Partiu um dia sem ao menos dar um adeus. Mandou os papéis do divórcio e pronto.

Quando se casou, achou que poderia mudá-lo. Tentou de todas as formas fazê-lo ao menos diminuir o fumo. Não. Só aumentou ao longo dos anos. Um dia soube que o ex-marido estava mal, à beira da morte. Comprou passagem e foi vê-lo. Não deu. Mas preocupou-se em realizar um último desejo. Transformou-o em cinzas.