Sexta-feira, Novembro 5

O alcaíde e os secretários

Naquelas alturas da história, o país já começava a respirar uns ares de abertura. O povo é quem escolhia seus governantes e deles cobrava os resultados. Isso acontecia por todo os lugares. Menos numa cidade.

Timópolis era uma cidadela que ficava no topo de uma colina, bem coladinha no rio. Dali, o alcaide tinha uma bela vista de toda a região. E da sua cadeira, colocada bem defronte à janela, comandava tudo a seu modo. Sem pressa, sem correria. O povo quer saúde? Que espere. Quer transporte? Que espere.

Ele, afinal, tinha muito o que fazer. Gostava de sentar-se ao lado da janela reunido com seu secretariado mais chegado. Ficavam ali falando sobre as cousas da vida enquanto o chefe fumava seu cigarro de palha.

Cada um dos seus três secretários preferidos, e que compartilhavam desses momentos privados, se dedicava a uma arte. A sua preferida, sempre poupada das mazelas administrativas, gostava de desenhar. Móveis, objetos para casa e que tais.

Outra, bonita e vistosa, era dedica às letras. Queria muito publicar um livro. Arrumou até um marido disposto a patrociná-la. Mas nunca ninguém jamais vira uma página completa sequer.

O terceiro, um varão galanteador, era ligado à pintura. Umas modernidades que as pessoas ou não gostavam ou não entendiam. Mas o prefeito aprovava e isso era o suficiente. Mas o que ele gostava, mesmo, era jogar seu charme sobre a bonitona. E ela, muito espevitada, dava corda que não acabava. Diziam até que eles tinham algo.

Vez por outra, os quatro saiam em missão oficial por aí. Mas ninguém sabia ao certo o que iam fazer. E assim passavam suas tardes dando expediente na prefeitura. Se por acaso alguém ousasse incomodar com as mundanidades relativas aos seus cargos, o prefeito de pronto saltava de sua cadeira e bradava contra a ousadia de interromper seus despachos com a pequena equipe.

No país ninguém entendia muito bem a situação da tal cidade. Como poderia ela ter tratamento tão diferenciado, sem ao menos ser incomodada por alguma autoridade superior. Alguém um dia disse, à boca miúda, que o prefeito era sobrinho do governador. Mas isso ninguém jamais ousaria questionar.